quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Visitas em Mitande

8h17 da manhã. Dirijo-me de bicicleta até ao pátio dos visitados. Chego e desço da bicicleta.
-“odi, odi” [dá licença]
Alguns olhares tiram-me todas as medidas possíveis e imaginárias, sem uma única palavra. Dou uma olhadela pelo quintal. Uma velhinha, de rabo para o ar,  varre do chão as folhas caídas da mangueira, com um molho de ramos secos em jeito de vassoura. Dois patos e uma galinha pavoneiam-se pelo quintal acabado de varrer, picando aqui e ali algum insecto agora descoberto, vão depois molhar a goela numa bacia com água esquecida perto da cozinha. Na cozinha outra mamã retira da panela raízes de mandioca acabadas de cozer, com movimentos lentos, num ritual observado por mais de meia dúzia de crianças que se batem na esteira, rindo. Vem um homem, ainda jovem mas com certeza já pai de família, traz uma cadeira de plástico e convida-me a sentar.
Agora na cadeira de honra e com o dono da casa sentado num saco de farinha vazio, cuja cor se confunde com a terra em que repousa, inicia-se o ritual de saudação.
- Como está?
- Estou bem, não sei como está.
- Ah, aqui tudo bem…
- Hum-hum
- Hum-hum
Questiono pelos membros do grupo que teriam supostamente sido convocados para uma reunião naquela casa.
- Mas ainda não chegaram.
Tudo bem. Estou de férias e tirei a manhã para isto. Aprecio de novo a dinâmica da casa. A mamã que se ocupava da mandioca pega nuns copos de vidro e mergulha-os na bacia de água esquecida, onde antes os patos saciaram a sede. Começo a temer o pior… copos de vidro num ambiente destes é mau presságio, e estas crianças aqui ao lado, sentadas na esteira em vez de estarem a dançar atrás de uma árvore, e nenhum dos membro do grupo ainda presente… Sim, cheira-me a potencial diarreia se não inventar rapidamente uma desculpa.
Não estava enganada. Não tardou que uma menina me trouxesse um púcaro de água cor suspeita e duas formigas a boiar. Tento averiguar se porventura é chá, mas não está a vaporear, pelo que muitas E.Coli vivem contentes e felizes naquele púcaro, em harmonia com os seus familiares e amigos. Entregam o mesmo ao papá sentado no saco de farinha. Os meus neurónios percorrem todas as mentiras possíveis e imaginárias para não beber aquela água, enquanto aguardo calmamente sentada na cadeira por algum gesto do papá. Vem de novo a menina, com um prato tapado com outro prato e o tal copo de vidro com sumo TANG de pó. Respiro de alívio quando vejo que se trata de mandioca cozida e não xima com peixe seco do rio intragável. Autorizada pelo papá, e quando as crianças ao lado também já foram servidas, lavo as mãos com a primeira água [seria quase pecado não lavar as mãos, mesmo que lavar signifique, perante esta água, conspurcar-las] pego numa raiz de mandioca e como, tirando alguns grãos de terra facilmente identificados, mastigando aqueles que não deu para separar. Entretanto, seguindo as leis da lógica, presumo que a água laranja a que se chama sumo foi, antes, igual à água que serviram para lavar as mãos, pelo que vou procurando mentalmente uma desculpa para dar quando me alertarem para o facto de ter um copo de sumo à frente e não lhe ter tocado.
- Irmã, esse sumo aí. Não está a beber.
- Sabe, de manhã eu não costumo beber líquidos.
Já está. É uma desculpa estranha, mas com certeza não tão estranha como a cor da minha pele.

Só para concluir, sobrevivi a mais esta.
Sem diarreia até ao momento!

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